Governo cria gatilho para investir em município às vésperas de eleições municipais
Valores para retomada de construção e reformas de escolas, hospitais e unidades de saúde, entre outros, serão destinados dos orçamentos do Fundo Nacional da Educação Básica (FNDE) e do Sistema Único de Saúde (SUS)

Os Ministérios da Saúde e Educação vão editar duas portarias até o final do ano para permitir que prefeitos possam pedir recursos para obras ou reformas de escolas e hospitais paralisadas ou inacabadas nos municípios. A menos de um ano das eleições municipais, mais de 11 mil empreendimentos de norte a sul poderão ser beneficiados.
O dinheiro será destinado por meio da lei 14.719/23, promulgada no começo de novembro, que institui o Pacto Nacional pela Retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica e Profissionalizante e à Saúde. É um mecanismo fora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e permite que o governo possa injetar recursos extras nos municípios em ano eleitoral.
Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que a normativa sairá ainda este ano para que os prefeitos possam pedir os recursos já no começo do ano que vem.
Os valores para retomada de construção e reformas de escolas, hospitais e Unidades de Pronto-Atendimento, entre outros, serão destinados dos orçamentos do Fundo Nacional da Educação Básica (FNDE) e do Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo o FNDE, ficarão à disposição dos prefeitos aproximadamente R$ 6 bilhões até 2026. A Saúde não informou qual o montante destinado a esses empreendimentos. São 5,6 mil obras na área da educação e 5,5 mil na de saúde.
A proposta também permite um novo aporte de recursos mesmo se o valor original tiver sido todo repassado, inclusive se a obra possuir indícios de irregularidades.
No caso de obras que não tenham recebido todos os valores, será feita uma repactuação, corrigido pelo Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), e o montante a ser enviado poderá chegar a mais de 200%, dependendo do ano de início da obra.
Os empreendimentos terão 24 meses para serem concluídos, podendo ser prorrogada por igual período, e há previsão de orçamento suplementar caso os valores sejam insuficientes para atender a demanda regional.
O debate sobre a manutenção de obras de infraestrutura está relacionado com a meta de déficit fiscal zero em 2024 e a pressão sobre a liberação de recursos para obras em ano eleitoral, quando serão eleitos prefeitos e vereadores nos municípios brasileiros.
A equipe econômica defendia a meta que busca um equilíbrio entre receitas e despesas. Para cumprir esse compromisso, pode ser preciso desacelerar investimentos, o que pode comprometer o andamento de obras.
PT de olho nas disputas municipais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no entanto, defende que a meta “não precisa ser zero”, mirando os Executivos municipais.
Nessa linha, no começo do mês, em reunião ministerial, o presidente determinou aos subordinados que “sejam os melhores gastadores de dinheiro em obras para o povo brasileiro”.
O mestre em ciência política e especialista em relações institucionais e governamentais na agência Inteligov Gabriel Barreto aponta que, em 2020, o PT teve seu pior desempenho em eleições municipais desde 1996 e não elegeu gestor em nenhuma capital.
Segundo o especialista, com a eleição de Lula, aumentar a capilaridade do partido se tornou prioridade para 2024.
“Dois fatores contribuem para concretizar este objetivo: um é a atração dos prefeitos pelo partido do presidente – aliados podem se beneficiar do direcionamento de dinheiro federal, que é especialmente estratégico em anos eleitorais, como o próximo. O outro é a atuação do governo para intensificar essa tendência, aumentando a disponibilidade de recursos para os prefeitos.”
“Essa aproximação com os municípios se dá por meio de iniciativas como a Caravana Federativa, que promove integração entre gestores locais e nacionais. O flanco foi fortalecido ainda mais com a sanção da que visa retomar obras paradas na saúde e educação”, disse.
O especialista ainda lembra que a eleição de prefeitos desemboca nas eleições federais de 2026, para deputados e senadores. “Porque eles são as pessoas que estão ali em contato direto com o eleitor, que conhecem os problemas, que têm mais influência política no direcionamento do voto”, destacou.
Segundo o analista Matheus Albuquerque, sócio da Dharma Politics , em termos políticos, a normativa atende a dois propósitos principais: aprimorar a relação entre a esfera federal e municipal e dar maior impacto às ações do governo e de seus aliados visando as eleições municipais de outubro de 2024.
Ele pondera, no entanto, sobre a preocupação da equipe econômica com o equilíbrio das contas públicas.
“A equipe econômica de Lula deve manter atenção à agenda fiscal, especialmente considerando o desejo de [Fernando] Haddad de zerar o déficit em 2024. Estima-se que a retomada demandará um investimento de R$ 6,2 bilhões até 2026, sendo R$ 4 bilhões destinados a obras municipais. Nesse contexto, observa-se que o ímpeto desenvolvimentista de Lula supera a busca de Haddad pelo controle das contas públicas”, frisou.
Retomada de obras
Para priorizar as obras, serão observados critérios como percentual de execução, ano de contratação, se a instituição atende comunidades rurais, indígenas ou quilombolas, se o Município sofreu desastres naturais nos últimos dez anos e outros critérios.
O doutor em direito público e sócio do escritório Fenelon Barretto Rost Ricardo Barretto aponta que os novos recursos serão transferidos após assinatura de um novo termo de compromisso e abrangem a correção dos valores correspondentes à parte não executada.
Ele explica que o projeto também poderá conter modificações, podendo corrigir falhas ou adaptar às novas necessidades das áreas de saúde e educação.
Na priorização de obras, serão observados critérios como percentual de execução, ano de contratação ou se o município sofreu desastres naturais nos últimos anos.
Obras que possuam irregularidades também poderão ser retomadas, desde que não haja prejuízo à apuração futura da responsabilidade por quem tenha causado anteriormente dano ao erário.
“Quando uma obra paralisada ou inacabada está sob auditoria da CGU ou do TCU, a tendência é que os gestores públicos se retraiam e abandonem quaisquer iniciativas para a conclusão dos serviços. Portanto, a regra é positiva porque dá segurança jurídica para a retomada das obras que estejam sob fiscalização”, destaca.